CRÍTICA | Doutor Estranho no Multiverso da Loucura engoliu Sam Raimi

Num multiverso de possibilidades, o MCU, mais uma vez, escolheu o caminho mais fácil.
By CAJR
05/05/2022

Sam Raimi é um daqueles diretores que deixam sua marca em qualquer coisa que faça, e entrar no MCU – local onde até mesmo os diretores mais autorais se adequam à fórmula de sucesso da Disney – é um grande desafio. Embora seja lembrado pela trilogia do Homem-Aranha protagonizada por Tobey Maguire, suas origens e referências estão com o cinema de terror B, tendo a franquia A Morte do Demônio (Evil Dead), como seu principal representante.

Ao contratar um autor como Raimi para assumir a sequência de Doutor Estranho, a Marvel deu algum peso para Multiverso da Loucura. Também despertou as expectativas do público por uma mistura entre os blockbusters e o macabro cinema B. Essas são expectativas que não são totalmente atendidas na última parte do MCU, uma verdade não tão surpreendente quanto decepcionante. E é fácil ver porque a Marvel absorveria Raimi, com todo o seu peso e prestígio, em seu maquinário.

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura tenta fazer uma mistura de horror e humor, algo próximo ao que Raimi foi capaz de trazer ao longo de sua carreira. Mas aqui, seu ofício foi cercado, gamificado, sugado de cor e vivacidade.

História

Após os acontecimentos de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) precisa lidar com as consequências do que aconteceu quando o multiverso foi liberado, e a presença de America Chavez (Xochitl Gomez) é o ponto de virada para que ele precise resolver suas pendências de uma vez por todas, pois a garota veio de outro universo em busca de ajuda. Sem saber usar os próprios poderes, Chavez carrega a culpa pelo que aconteceu às suas mães, e faz disso um trauma para reprimir o grande dom que tem. Porém, justamente ao buscar proteção, mal sabe ela que entrou no multiverso exato no qual uma grande ameaça paira no ar: é nesta Terra que Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) perdeu os filhos, e sonha todos os dias em reencontrá-los.

Se parece confuso, é porque é mesmo. Para entender Multiverso da Loucura você precisa ter acompanhado a série WandaVision para entender esse pano de fundo. O que se segue é uma perseguição entre universos, "fan service" e lapsos de maestria da narrativa visual pelas mãos do diretor.

O MCU está se tornando o maior vilão do Multiverso

Embora acredite que Doutor Estranho no Multiverso seja o melhor filme solo dos personagens da Marvel desde Thor: Rognarok, o filme me deixou mais desencantado do que nunca. Isso porque Doutor Estranho 2 está ciente que os fãs não precisam de muito para torcer por esses empreendimentos medíocres. Estas são parcelas corporativas para acionistas em vez de, você sabe, filmes reais. Talvez seja assim que chegamos à concepção totalmente sexista – e rasa – de Wanda do roteirista Michael Waldron. Nesse universo, os sonhos são janelas para a vida de nossos eus multiversais e, para Wanda, seu sonho envolve ser uma dona de casa suburbana. Sem Visão, ou qualquer indício dos desejos de Wanda além de seus filhos, esse sonho parece ainda mais claustrofóbico.

Atuações

Olsen está sobrecarregada, carregando uma personagem tão mal escrita que não consegue controlar suas emoções nem seus grandes poderes, entregando um desempenho tímido e morno. Cumberbatch está no piloto automático ao lado dela, isso não significa que está mal, pelo contrário, mas assim como todo o longa, aquém do que poderia entregar. Gomez, por sua vez, recebe apenas piadas e cenas de exposição, transformando uma personagem que deveria ser corajosa e agressivamente branda (Eu nem vou entrar nos Illuminati, um grupo de super-heróis em outra dimensão que é tão claramente destinado a satisfazer o fancasting da internet).

Direção

Se você apertar os olhos, você pode ver o brilho de Raimi, mas ele precisa, antes de tudo, prestar contas à fórmula que paira sobre o estúdio. E em última análise, para cada sequência imageticamente interessante e "fora da curva", o diretor tem que cumprir com alguma obrigação da cartilha, que torna tudo desprovido do brio e da complicação necessária. Afinal, o grotesco não é composto apenas sobre imagens, mas sobre a mensagem que elas estão comunicando. A mensagem aqui: Toda essa insanidade é o resultado de uma mulher e sua necessidade desesperada de ter filhos (imaginários).

Conclusão

Discutir os filmes da Marvel, e agora séries também, dá uma sensação de comentar decisões de negócios em vez de artísticas. A gigante editora que empresta nome ao estúdio de filmes de super-heróis não mostra sinais de desaceleração à medida que se expande de maneiras que forçam o público a se inscrever no Disney + (algo já citado em minha crítica de Loki) para entender completamente as conexões em seus personagens e mundos. É gula de informação. No entanto, o público foi treinado para subsistir com pedaços de diversidade, de alegria, de linguagem bombástica apropriadamente sintonizada. Não há muito mais a dizer sobre esses filmes. Doutor Estranho no Multiverso da Loucura parece uma ponte para outras histórias, em vez de um trabalho que se mantém por conta própria. Como pode isso quando não há fim do outro lado da ponte à vista?


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CAJR - Carlos Alberto Jr

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.
  • Animes:Cowboy Bepop, Afro Samurai e Yu Yu Hakusho
  • Filmes: 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Stalker, Filhos da Esperança, Frank e Quase Famosos
  • Ouve: Os Mutantes, Rush, Sonic Youth, Kendrick Lamar, Arcade Fire e Gorillaz
  • Lê: Philip K. Dick, Octavia E. Butler, Ursula K. Le Guin e Tolkien
  • HQ: Superman como um todo, assim como as obras de Grant Morrison e da verdadeira mente criativa por quase tudo na Marvel: Jack Kirby