CRÍTICA | Duna é um épico com grande potencial, mas falta explorá-lo

O longa de Denis Villeneuve conseguiu fazer o difícil trabalho de traduzir a obra de Frank Herbert, mas falta algo.
By CAJR
03/11/2021

O livro Duna, de Frank Herbert, apesar de considerado hermético e inadaptável, sempre pareceu destinado a inspirar obras grandiloquentes no cinema. A adaptação de Alejandro Jodorowsky, que não chegou a se concretizar, deixou artes conceituais de Moebius e uma variedade de materiais que sugeriam um sci-fi kitsch e inovador. Já a versão de David Lynch, mesmo que profundamente falha, entregou imagens e sons diferentes de tudo que havia sido visto no gênero. Ainda à espera de uma adaptação de sucesso, Denis Villeneuve tenta fazer o impossível, será que ele conseguiu?

História

Duna se situa em um império interestelar onde famílias nobres comandam feudos planetários. O protagonista é o jovem Paul Atreides, filho do Duque Leto Atreides, que, por ordem do Imperador, aceita comandar Arrakis, um planeta desértico e hostil, onde vermes gigantes vivem sob as areias e a água é um recurso escasso.

No entanto, somente nas areias de Arrakis é possível encontrar a Mélange – a "especiaria" – uma droga alucinógena que aguça os sentidos e prorroga a vida. Simultaneamente, a Mélange é uma commodity essencial para a evolução tecnológica da humanidade. Sendo assim, Arrakis é o centro das disputas territoriais entre as famílias do império.

A versão de Denis Villenueve

O novo filme segue a mesma premissa do livro, na qual Paul (Timothée Chalamet), o herdeiro da casa Atreides, viaja com o seu pai, Leto (Oscar Isaac), a mãe, Lady Jessica (Rebecca Ferguson), e seus aliados para Arrakis, antes comandado pelo Barão Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgård), que tomava as riquezas do planeta para si e oprimia o povo nativo, os Fremen.

Após os Harkonnen saírem de Arrakis, o Duque e sua família se preparam para comandar os recursos do território e assegurar a paz com a população local. Enquanto isso, Paul se questiona sobre sonhos misteriosos envolvendo uma jovem Fremen – interpretada por Zendaya – e sobre os enigmas por trás do seu destino.

Um dos maiores desafios de Villeneuve e sua equipe foi desmembrar, para um público leigo, as diversas complexidades desse denso universo criado por Frank Herbert. Contudo, logo no início já sabemos quem são boa parte dos personagens, quais os objetivos dos Atreides, o que é Arrakis, a especiaria e quem são os Fremen e os Harkonnen. Tudo com muita clareza e objetividade, trazendo o espectador rapidamente para dentro da história sem deixar dúvidas. Sendo assim, quem não leu o livro ou não faz ideia do que Duna se trata, não tem o que se preocupar.

O ecossistema dos planetas, a cultura Fremen, o misticismo, os costumes, os figurinos e a essência dos diálogos foram devidamente respeitados e, ao mesmo tempo, aprimorados para os dias atuais sem ficar maçante. Alguns personagens, como Duncan Idaho (Jason Momoa) e Gurney Halleck (Josh Brolin), sofreram adaptações para serem mais carismáticos, e funcionaram perfeitamente bem.

Além disso, é claro que não poderia faltar a atmosfera da ficção científica em um filme como esse. Sem surpresas, Villeneuve brilha novamente. Aqui, sua produção épica está mais deslumbrante do que nunca.

Apesar de não contar com Roger Deakins, a cinematografia de Greig Fraser é de se aplaudir, assim como os responsáveis pela direção de arte e pelos efeitos visuais fizeram um excelente trabalho. Ademais, não poderia faltar a edição de som caprichosa e a trilha sonora estonteante de Hans Zimmer. Cada um desses aspectos deu corpo, vida e alma a Duna, o que deixou toda a experiência ainda mais fascinante.

Após tantos elogios, o que deve frustrar, ainda assim, é a ausência de um final e a aposta na existência de uma incerta sequência (que, felizmente foi confirmada após o sucesso de bilheteria no fim de semana de estreia).

Logo, em Duna, não há uma estrutura presente de começo, meio e fim. São revelados os caminhos que levam ao deserto, mas este acaba não sendo tão explorado.

Afinal, vale a pena?

No final das contas, Duna continua sendo, como sempre, uma história que vai cativar alguns e alienar a maioria. Isso não é um fracasso da parte de Villeneuve, mas algo inabalavelmente codificado na genética desta Saga. E embora um filme não seja para todos ou ruim, ele é um presságio de tudo que ainda tem por vir. Aqueles que não estão familiarizados com o livro e que possuem dentro de si uma afinidade por este gênero, invariavelmente serão fisgados e a espera pela segunda parte demorada e dolorosa.

Por fim, a pressão de Villeneuve na Warner Bros. acabou surtindo efeito e ele conseguiu realizar um dos poucos épicos de ficção científica de escopo verdadeiramente grande do século 21. Apesar do sentimento que falta algo, Duna é assumidamente estranho, mais interessante e ambicioso do que qualquer um de seus pares de grande orçamento.


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CAJR - Carlos Alberto Jr

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.
  • Animes:Cowboy Bepop, Afro Samurai e Yu Yu Hakusho
  • Filmes: 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Stalker, Filhos da Esperança, Frank e Quase Famosos
  • Ouve: Os Mutantes, Rush, Sonic Youth, Kendrick Lamar, Arcade Fire e Gorillaz
  • Lê: Philip K. Dick, Octavia E. Butler, Ursula K. Le Guin e Tolkien
  • HQ: Superman como um todo, assim como as obras de Grant Morrison e da verdadeira mente criativa por quase tudo na Marvel: Jack Kirby