CRÍTICA | Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, entre o luto e o legado

Filme mais emocional do MCU não cumpre uma missão muito difícil.
By CAJR
09/11/2022

Ryan Coogler tinha uma tarefa ingrata em mãos. A partida precoce de Chadwick Boseman, intérprete do rei T'Challa em Pantera Negra, mexeu muito com as estruturas do diretor e roteirista. Não apenas enquanto um criador, mas também como amigo. E os problemas não param por aí. Tente ignorar todo o fator emocional da perda do ator e pense enquanto produto: Pantera Negra foi um sucesso de público e crítica, as aparições do personagem nos demais filmes Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) botavam mais combustível nas expectativas para um segundo filme ambientado em Wakanda. O que fazer? Reescalar o papel ou adaptar a morte do ator ao MCU?

Coogler fez a escolha mais difícil, principalmente porque uma continuação de Pantera Negra, centrada em Boseman, já estava em desenvolvimento. O diretor então pesou a mão no luto, mas forma muito sincera e nada apelativa. O roteiro escrito junto com Joe Robert Cole acaba acertando o espectador em cheio em pelo menos três vezes no filme, então prepare seu lenço. Entretanto, o texto acaba armando uma armadilha para si, pois fica bastante nítida a falta que T'Challa - na figura do seu intérprete - faz. Centrar uma jornada especial para Shuri (Wright) e Ramonda (Angela Bassett) foi algo certo a se fazer, mas fica claro que, ao ganhar mais destaque, Shuri deixa a desejar na entrega. E pode ser que essa impressão se agrave caso o espectador tenha ciência das posições equivocadas da atriz. Digo isso pois um dos pilares de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre está em sua representatividade: se o próprio projeto se vende ao público através desse mecanismo, é natural que ele sofra com as consequências quando um ator ou uma atriz comete um deslize.

Trama

A sequência se inicia a partir da morte do rei, mostrando que a Marvel cumpriu a promessa de respeitar a triste partida de Boseman. Ao mesmo tempo, a diplomacia mundial tenta convencer Wakanda a compartilhar seus recursos, mais especificamente, o precioso vibranium. Mesmo lidando de modo extremamente eficaz com a questão, a chegada de um inesperado adversário, Namor (Tenoch Huerta), líder de uma civilização submersa, colocará em risco a segurança da nação africana. A dura verdade é que Wakanda segue firme e forte, mas carregada por pessoas quebradas emocionalmente.

Namor

Talvez um dos grandes acertos da equipe criativa foi adicionar Namor na história. Afinal, seria muito fácil para qualquer vilão ficar na sombra de Killmonger (Michael B. Jordan). Usar um personagem tão importante e poderoso da Marvel é inteligente pro filme e para o futuro do MCU. Tenoch Huerta entrega, desde sua primeira aparição, o que se espera do personagem, cheio de uma charmosa rebeldia e a consequente ira quando pisam em seu calo podendo atingir o nível de ardiloso em muitos momentos. Aliás, a produção se mostra bastante ousada ao adaptar inclusive as breguíssimas - e muito legais - asas que o personagem possui nos pés. 

Por já encontrarmos diversas Atlantis na cultura pop, a civilização do personagem foi adaptada aqui para Talokan, se inspirando fortemente nos povos originários da América Central e do Sul. O resultado é uma nação que espelha Wakanda em diversos aspectos, liderada por uma figura poderosíssima que foge do óbvio quando tem suas motivações e origem expostas. Uma baita adição ao MCU.

Excessos

O mesmo cuidado com Talokan e seus personagens, não acontece em outros aspectos. É difícil de defender o modo largado como é tratado algumas questões-chave para a trama, principalmente no que diz respeito à sucessão do manto de Pantera Negra. O problema não reside na obviedade de quem se torna, mas sim na falta de impacto que isso nos causa quando ocorre. Outro ponto a se questionar é o jogo político adotado para que o embate entre Talokan e Wakanda ganhe vida. Você consegue entender o lado de cada um, mas a simplificação de debates relevantes socialmente não aconteceu no seu antecessor.

A inclusão de Riri Williams (Dominique Thorne) na trama soa muito mais como uma propaganda da vindoura série "Coração de Ferro" dentro desse balaio todo, e acaba sendo o único dentre os defeitos apontados a prejudicar de fato a experiência. E mesmo possuindo sua importância dentro da história, a personagem soa muito mais uma muleta narrativa do que uma personagem viva, como grande parte do - excelente - elenco do longa.

De encher os olhos

Me parece um consenso que parte do sucesso de Pantera Negra se deu pela incrível criação de Wakanda. Mesmo com toques de fantasia, tudo soa orgânico, a multi-cultura, as tribos, o afrofuturismo, tudo é muito vivo. Felizmente, em Wakanda Para Sempre, nada muda nesse aspecto. Quer dizer, temos uma maior exploração de Wakanda e de sua população. E são nesses momentos que a direção de arte brilha. As cores super saturadas segue sendo muito presentes, mas elas ganham contrastes em momentos diferentes, como na cena inicial do funeral do rei T'Challa, com a predominância do branco do luto e até mesmo de filtros usados para contrastar Talokan de Wakanda.

A direção de fotografia trabalha com o tamanho e esplendor dessas nações, com muito planos abertos, até mesmo em cenas de diálogos, os planos fechados são menos usados que o normal. Talvez como uma rima narrativa com o distanciamento que o luto traz aos personagens, quem sabe. Mas algo que é inegável, a qualidade de produção, desde as locações, o figurino e maquiagem. Wakanda é certamente um grande personagem, mais uma vez.

Mais do que um filme de herói

Como um leitor assíduo de quadrinhos, sempre vi muita gente diminuindo essa forma de arte, como se fosse impossível um quadrinho ser tão bom quanto um best saller, e, curiosamente, parte dessa má fama chegou às adaptações dessas histórias para a TV/streaming e cinema. Essa aceitação do menor parte, muitas vezes, até mesmo do próprio público-alvo. Basta ver comentários positivos a respeito do medíocre Adão Negro. Quem gostou, queria aquilo, o mais do mesmo. Mas falta um ponto de equilíbrio. Afinal, podemos gostar de um mediano - e proposto assim - Shazam!, mas devemos exigir tramas mais complexas como Batman.

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre está mais para Batman do que para Shazam!, não pelo tom do longa, longe disso, mas por sua seriedade com os temas discutidos. O luto - e suas diversas formas de encara-lo -, o legado e família. Para os que estavam cansados de piadinhas no MCU, agora aguentem esse rojão emocional. Mas não se preocupe, embora não seja o foco dessa crítica, as cenas de ação são excelentes e não existe nada que destoe tanto quanto o terceiro ato do filme antecessor.

Vale a pena?

Levando em conta os diversos problemas que Ryan Coogler e a Marvel Studios precisaram resolver nos últimos anos para dar luz a Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, podemos dizer que o saldo é positivo, apesar de não ser possível observarmos uma melhora nesta sequência quando comparamos o resultado final. De quebra, temos a certeira inclusão de um personagem que tem a capacidade de abalar as estruturas não só de Wakanda, mas do MCU como um todo. Namor é a rebeldia que faltava ao MCU e contestada Fase 4 encerra com chave de ouro. O fururo agora é multiversal.

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CAJR - Carlos Alberto Jr

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.
  • Animes:Cowboy Bepop, Afro Samurai e Yu Yu Hakusho
  • Filmes: 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Stalker, Filhos da Esperança, Frank e Quase Famosos
  • Ouve: Os Mutantes, Rush, Sonic Youth, Kendrick Lamar, Arcade Fire e Gorillaz
  • Lê: Philip K. Dick, Octavia E. Butler, Ursula K. Le Guin e Tolkien
  • HQ: Superman como um todo, assim como as obras de Grant Morrison e da verdadeira mente criativa por quase tudo na Marvel: Jack Kirby