Sendo fã ou não, é inegável que a saga Harry Potter foi responsável por criar um dos universos mais ricos da cultura pop. Iniciado nos livros por J.K. Rowling e levado aos cinemas pela franquia de 8 filmes produzida por David Heyman, a saga de fantasia adolescente apresenta um universo de possibilidades infinitas – e que são uma necessidade em um mundo obcecado por conteúdo e propriedades intelectuais. Dito isso, é de uma curiosidade gigantesca ver esse universo gastando tanto tempo com o derivado Animais Fantásticos e Onde Habitam, que em tese, serve para expandir e trazer uma visão adulta.
Lançado em 2016 como um spin-off da saga, que também marcava a estreia de Rowling na função de roteirista, o filme de David Yates era bobinho e inofensivo; especialmente se fosse considerado como um longa isolado. Então, a megalomania foi aplicada à história do magizoologista abobalhado, com a Warner Bros anunciando mais 4 continuações, que narrariam a batalha contra o bruxo das trevas Gellert Grindelwald. Infelizmente, o resultado foi esfriando, e o terceiro capítulo Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore representa mais uma evidência contra o desenvolvimento dessa franquia.
Um pouco tempo após Os Crimes de Grindelwald, a trama nos coloca ao lado de Alvo Dumbledore (Jude Law) enquanto este tenta descobrir uma forma de poder quebrar um feitiço que o impede de atacar seu ex-amante, Grindelwald (agora com as feições de Mads Mikkelsen). Novamente, ele conta com a ajuda de Newt Scamander (Eddie Redmayne), que precisa usar de seu conhecimento nas criaturas mágicas para encontrar uma espécie rara que terá um papel decisivo no conflito contra Grindelwald, que agora planeja usar de poder político para dominar o mundo da magia e iniciar uma guerra contra os Trouxas.
Apesar de gostar do primeiro Animais Fantásticos, sempre tive a impressão de que a Warner escolheu a história errada para levar adiante. As sequências basicamente transformam Newt Scamander em um espectador de uma história maior, e insistem em forçar um peso de herói dramático de ação em um personagem cujo maior traço de personalidade é uma função de veterinário/explorador; é extremamente anacrônico vê-lo discursando e se preocupando com um bruxo das trevas à solta, algo que era bem mais coerente na história de Harry Potter e seu conflito inerente com Voldemort.
Dessa vez, a produção parece um pouco mais interessada em corrigir os erros do anterior. Ao lado de Rowling (duplamente creditada como roteirista, vejam só), temos a presença do roteirista Steve Kloves, que escreveu todos os filmes de Potter – com exceção de A Ordem da Fênix – e, de certa forma, ajuda a apresentar uma narrativa mais lógica e menos descontrolada do que a de Os Crimes de Grindelwald. Porém, se aquele filme era uma bagunça de subtramas, personagens e um objetivo dramático que poderia ser resumido a um teste de paternidade, Os Segredos de Dumbledore é simplesmente… vazio.
Kloves e Rowling claramente olham para uma fórmula mais voltada ao heist/filme de equipe, com Dumbledore instruindo Newt para montar um grupo de resistência a Grindelwald. Apesar do bom set up e da premissa de um jogo mais político do que aventuresco, o roteiro nunca sai do lugar-comum e raramente traz algo interessante. A ideia de Grindelwald ser permitido de concorrer a uma eleição no mundo bruxo representa uma clara tentativa de representar os absurdos do cenário político contemporâneo (“Esse homem era um fugitivo e agora é candidato para o controle do mundo bruxo?”, diz um dos personagens), mas soa tão absurdo e risível que torna a história difícil de ser levada a sério.
Os únicos elementos interessantes estão mesmo com a família Dumbledore; ou melhor, da relação entre Alvo e Grindelwald, já que o deslocado Ezra Miller tem seu Credence Barebone ainda mais perdido e irrelevante em todo o cenário dessa história. Quando o filme de fato para e se concentra na figura de Alvo, começando muito bem com um diálogo bem sincero e íntimo entre este e Grindelwald em um restaurante, o resultado consegue ser um pouco mais estimulante. Pelo menos, bem mais divertida do que quando o texto de Kloves e Rowling tenta criar “distrações” envolvendo seus personagens, principalmente no arco inútil de William Nadylam como Yusuf.
Os Segredos de Dumbledore certamente ofende menos do que Os Crimes de Grindelwald, mas ao menos o segundo me manteve acordado.
Mas pior ainda é ver a saga Harry Potter desistindo se suas ambições visuais. Mesmo que Os Crimes de Grindelwald fosse uma bagunça de ideias e história, ainda conseguia exibir o trabalho fantástico de designers, artistas e figurinistas ao longo de toda a produção – que realmente parecia colocar o dinheiro na tela. Os Segredos de Dumbledore retroativamente me faz gostar mais do anterior, já que é tão burocrático, esteticamente sem vida e até mesmo seus figurinos e cenários parecem carecer de magia. Apresentando o Ministério da Magia da Alemanha, o filme se contenta em simplesmente apresentar concreto, espaços vazios e cores dessaturadas, quase como se quisesse emular a Alemanha Nazista da década de 40; o que realmente não faz o menor sentido, além de ser visualmente desinteressante.
Nem mesmo as criaturas fantásticas do título ganham o destaque que tinham no anterior. Nem na trama e muito menos no design, já que apenas os pequenos “siris” que rendem uma dancinha embaraçosa se destacam como inovações conceituais, além do animal fantástico que representa o principal macguffin da história, mas que não apresenta nada de interessante além de ser um Bambi de textura diferente.
O que nos leva a David Yates, que dirige seu sétimo filme da franquia. Naturalmente, o homem está cansado e isso finalmente começou a transparecer na tela; já que até mesmo Os Crimes de Grindelwald tinha seus momentos de inspiração. A impressão que passa durante toda a projeção deste terceiro filme é a de alguém com prazo de entrega apertado: não há riscos, nenhum enquadramento ousado ou, sendo bem sincero, o mínimo do capricho além do aceitável. Há diversos casos de fundo artificial que se destacam negativamente, seja para cenários que deveriam ser realistas ou quando embates de varinhas “trocam” a realidade por um fundo lavado e estourado que lima qualquer empolgação de tais sequências. A magia nunca foi menos mágica no universo de Harry Potter quanto aqui, o que é uma pena quando consideramos seu gigantesco potencial.
Não há muito o que valha a pena ser dito sobre o elenco que não serviria para os anteriores. A trupe de Eddie Redmayne, Dan Fogler e Alison Sudol permanece carismática e simpática, com Fogler ganhando ainda mais espaço graças à sua presença cômica eficiente. Assim como no anterior, Jude Law é o destaque absoluto como este jovem Alvo Dumbledore, aqui ainda mais parecido em caracterização e trejeitos com a versão de Michael Gambon na saga Potter; e ver seus momentos mais emotivos com Grindelwald é realmente de sua performance.
Por falar em Grindelwald… foi bem noticiado que Johnny Depp deixou a produção do filme após uma série de problemas pessoais que, até hoje, ajudam a manter sua carreira em uma zona cinzenta de Hollywood. A ideia de Mads Mikkelsen é empolgante e com certeza aumentou o interesse no filme, mas infelizmente o ator está completamente desinteressado. Não há menção alguma quanto à mudança de aparência, e Mikkelsen parece no piloto automático durante toda a projeção, que eliminou qualquer aspecto de ameaça (e até excentricidade bem presente no trabalho de Depp) e limitou o vilão a um antagonista genérico e sem personalidade alguma. Desde Doutor Estranho que Mikkelsen não era tão desperdiçado.
Assim como seu anterior, Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore é mais uma evidência de que a Warner Bros e J.K. Rowling escolheram o projeto errado para manter o universo de Harry Potter vivo. O novo filme falha em suas ambições políticas, em qualquer senso de diversão ou de uma magia brilhante que a primeira saga fez tão bem.
Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.