Esta crítica não contém spoilers!
Após três atores diferentes interpretarem Peter Parker num curto espaço de 20 anos, é normal existir, por parte dos fãs, uma certa rivalidade entre quem seria o melhor Homem-Aranha nos cinemas. Tom Holland (“Cherry”), o atual intérprete do Cabeça de Teias e o diretor Jon Watts (“Clown”) são constantemente criticados – inclusive por quem vos escreve – pelos rumos que o personagem tomou em sua versão do MCU. Mas a dupla, então questionada, entregou tudo que os fãs pediram em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa.
Sabendo do sucesso do personagem na MCU, assim como as principais críticas a ele, a Sony decidiu revisitar o seu passado e unir o Homem-Aranha atual com os vilões de seus antecessores, algo que embora tenha deixado muitos fãs céticos, acabou sendo uma ótima jogada de marketing da empresa.
Mas essa abertura – literal – ao multiverso, um conceito bem comum nos quadrinhos, também trouxe para o mundo real um desejo que outrora parecia impossível, não só como filme, mas em direitos autorais do personagem: a presença dos dois atores (Tobey Maguire e Andrew Garfield) que interpretaram o personagem nas duas franquias do Cabeça de Teias da Sony.
Mas se essa possibilidade criou um hype imenso entre os fãs, o filme agora carregava a responsabilidade de atingir tais expectativas. Sem muito mistério e spoilers, a resposta é que: sim.
Assim como Vingadores: Ultimato, Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é consciente que se trata de um filme-evento. Isso quer dizer que há uma enorme quantidade de fanservices, dos quadrinhos aos cinemas, cenas épicas e muita emoção. Por outro lado, não temos aqui o melhor filme do personagem – o que não é um demérito, uma vez que Homem-Aranha no Aranhoverso e Homem-Aranha 2, são obras primas – mas ele entrega o que os fãs, principalmente os críticos dessa nova versão do personagem pediam.
A sombra de Tobey Maguire e Sam Raimi
Lançada nos anos 2000, a trilogia do Homem-Aranha de Sam Raimi possui, até hoje, os filmes que melhor discutem o ser humano por trás de um manto de super-herói no cinema. Todos os filmes colocam o personagem em alguma crise existencial para que ele batalhe a fim de encontrar o equilíbrio entre a rotina de vigilante e a vida real. Talvez fosse esse elemento humano que justamente fazia mais falta nos atuais filmes do personagem, dirigidos por Jon Watts. Enquanto De Volta ao Lar era aventura divertida com bons momentos de comédia colegial, Longe de Casa foi engolido pela megalomania característica dos filmes da Marvel, deixando de lado indivíduo Peter Parker dentro da história.
A ideia de trazer personagens em que o lado psicológico deles (Duende Verde, Dr. Octopus) é tão importante quanto pessoas querendo vingança contra Tony Stark (Abutre e Mysterio), foi algo que revigorou a franquia no MCU, trazendo pela primeira vez – após três filmes!! – um real amadurecimento do Peter Parker.
Mas nem tudo é perfeito
Independente das críticas ao personagem-título, é inegável que Tom Holland é um bom ator, mas o mesmo não se pode dizer de Jon Watts, responsável por comandar a trilogia. Em uma linguagem visual bastante viciada por outras produções da MCU, seus longas não tem justamente os momentos de descanso que o próprio personagem precisa. Essa linguagem frenética, também afeta diretamente no roteiro dos filmes. Felizmente, em Sem Volta Para Casa ele está mais contido, entregando pela primeira vez esse respiro que o Peter precisa, pra repensar suas ações, que desde o primeiro filme, soam precipitadas, irresponsáveis e egoístas.
E junto a isso, temos a participação de Doutor Estranho, de Benedict Cumberbatch (“Ataque dos Cães”), que, embora seus feitiços e cenas de ação são visualmente lindas de se ver em tela e de uma boa dinâmica com Peter, essa versão mais irresponsável de um personagem tão sábio – que vimos sacrificar-se em prol do universo – soa muito mais conveniente ao roteiro do que qualquer coisa.
Por falar em roteiro, escrito pela dupla Chris McKenna (“Igor”) e Erik Sommers (“Jumanji: Bem-vindo à Selva”) desenvolve as situações de um modo que é preciso quase sempre que o espectador “embarque naquela ideia” sem pensar muito, pois se você parar para analisar vai notar que metade das situações poderiam ser desenvolvidas de modo muito mais simples ou até encerradas sem muita cerimônia.
Mas o saldo é positivo
As piadas e sacadas são inseridas de modo bacana na trama e, mesmo quebrando o clima, são divertidas e devem arrancar boas risadas. Os vilões anunciados e participações especiais que acontecem no filme tem uma função narrativa, não sendo apenas easter-eggs ambulantes e cumprem suas funções, alguns com mais espaço, outros com menos, mas todos agregam ao filme. Por falar em easter-eggs, Sem Volta Para Casa é um verdadeiro liquidificador de referências do MCU, das produções do Aranhaverso e dos quadrinhos.
Willem Dafoe (“O Farol”) que reapresenta Norman Osborn como um ser maquiavélico e manipulador, sendo aqui um antagonista insano e de muito peso. Além de Dafeoe, Tom Holland brilha e consegue externar o desespero e medo que Peter Parker sente por ter sua identidade secreta revelada, além de carregar com maestria o peso do legado do herói. O amadurecimento do ator a cada filme é perceptível e nesse filme ele se afasta de vez da imagem de garoto protegido e que depende demais dos outros (leia, Tony Stark).
Sem entregar muito, o resultado é um grande épico, que consegue ser grandioso e profundo no desenvolvimento do Peter Parker do MCU. Além disso há muito coração, no roteiro, na direção e atuação. Esses fatores corrigem muitos dos erros da produção, que fica maior como uma grande experiência no cinema.
Se até aqui a nova trilogia do personagem era apenas mediana, a conclusão de Longe de Casa aponta para um futuro esperançoso, com o herói retomando suas raízes e, ao fim, sua humanidade. Sai o Peter Parker apadrinhado pelo homem mais rico do mundo, que viajava pelo universo para combater ameaças intergalácticas, entra o Peter Parker com preocupações mais mundanas, como aluguel, sua família, seus relacionamentos. O Homem-Aranha é, enfim, humano.
Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.