Guillermo Del Toro é dono de um dos apuros estéticos mais aguçados e criativos na Hollywood contemporânea, o cineasta mexicano se tornou um grande preferido dos espectadores de todo o mundo, começando com seus longas de terror gore, passando por experimentos bem autorais em obras de quadrinhos e fantasia e, finalmente, sua fase como autor mais “maduro” com dramas adultos que trazem o horror e o fantástico apenas como elementos coadjuvantes à trama central. É uma evolução formidável, e que lhe rendeu vitórias no Oscar com seu último filme, A Forma da Água.
Adaptando o livro “Nightmare Alley”, O Beco do Pesadelo se passa em meados de 1940, quando o vigarista Stanton Carlisle (Bradley Cooper) acaba entrando para um “circo dos horrores” após perder tudo. Lá ele encontra a vidente Zeena (Toni Collette) e seu marido Pete (David Strathairn), que fazem um show de leitura com um sistema de linguagem codificada para fazer parecer que ela tem poderes mentais extraordinários. Mas logo Pete começa a ensinar a Stan sobre os truques, fazendo com que Stan tenha uma ideia para a riqueza e tirar dinheiro da elite Nova Yorkina. Com uma história longa – e até desnecessária em certos pontos – o diretor consegue dar seu recado, sobretudo na adaptação não conter nenhum monstro, como a obra original, mas sim escancarando as facetas monstruosas de seus personagens humanos.
A fotografia de O Beco do Pesadelo está impecável, com uma paleta que, por vezes é composta por cores quentes, curiosamente, em espaços fechados (como no circo) e de resto, predominantemente fria, marcado por um tom azulado, dando um clima noir, que a trama pede. Del Toro sabe muito bem trabalhar com isso, principalmente em filmes com clima de suspense. Outro destaque, é a dimensão da história. Como o principalmente cenário – até a metade do filme – se passa em um circo, a direção tem o cuidado de introduzir o público até o local, focando em detalhes para deixar a fantasia o mais real possível.
Se O Beco do Pesadelo é uma carta de amor de Del Toro ao cinema noir, o coração do filme palpita em Lilith, a psiquiatra manipuladora interpretada por Blanchett. A personagem não aparece até o meio do filme, quando Stan, o vigarista vivido por Bradley Cooper, chama sua atenção com um espetáculo mentalista numa casa noturna e os dois começam a conspirar juntos. Mas, ao fazer isso, Blanchett muda a frequência do filme para evocar tons mais profundos em sua rica tapeçaria de sombras e destinos.
Por falar em elenco, este provavelmente é o melhor que já trabalhou com Del Toro. Após se provar um promissor diretor com sua versão de Nasce Uma Estrela, Bradley Cooper volta para a frente das telas em uma performance multifacetada e fascinante, trazendo diversos elementos que, progressivamente, revelam a camada mais sombria de Stanton; em simultâneo, em que, mesmo imerso nas sombras, ainda oferece lampejos de sua persona mais alegre e romântica. Cooper é quem tem mais destaque para oferecer versatilidade, mas atrizes como Rooney Mara e Toni Collette desempenham muito bem seus respectivos papéis, enquanto Cate Blanchett rouba a cena como uma misteriosa femme fatale, cujas intenções nunca são claras, mas sempre entendemos a atração de Cooper em sua magnética presença.
Espalhados ao longo da projeção, Ron Perlman, Tim Blake Nelson e Richard Jenkins oferecem bons momentos em cena, ao passo em que Willem Dafoe garante alguns dos melhores diálogos como o ganancioso líder do circo. E apesar de ter curta participação, o senso de ameaça e lealdade que o guarda-costas vivido Holt McCallany representa em um pequeno diálogo com Stanton é poderoso; tanto que prestei atenção constante em seu personagem até o final, temendo que ele impactasse a trama de alguma forma significativa.
Mostrando-se a obra madura e quase perfeita de Guillermo Del Toro, O Beco do Pesadelo é uma experiência desgastante, mas que se mostra recompensadora. Apesar da longa duração, a história é envolvente e capaz de surpreender, além de contar com um elenco espetacular e uma condução caprichada. Se perdesse alguns minutos aqui e ali, talvez tivéssemos uma obra-prima.
O Beco do Pesadelo chega aos cinemas brasileiros no dia 27 de janeiro.
Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.