A franquia de seis filmes de Resident Evil estrelados por Milla Jovovich é uma grande incógnita, uma vez que, embora eles são sejam muito aceitos pelos fãs dos jogos, todos os filmes foram sucessos de bilheteria, o que significa, é claro, que a Sony não ia simplesmente deixar a franquia morrer na telona.
Assim, ainda em 2019, aproveitando o sucesso do jogo Resident Evil 2 Remake, a Sony anunciou um reboot no cinema, prometendo dessa vez mais fidelidade com os jogos da Capcom e sendo protagonizado pelos mesmos protagonistas dos dois primeiros jogos da franquia mais famosa do survival horror nos games.
Após dois anos, uma pandemia e mais um remake dos jogos clássicos da franquia, Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City chega aos cinemas. Com a promessa de investigar a origem do mal e centralizar sua narrativa no horror e não mais na ação desenfreada, o reboot faz algo novo até então: ser extremamente fiel aos games à ponto de replicar de forma idêntica algumas sequências. Agora, se o saudosismo e a quantidade exorbitante de fanservice serão o suficiente para abafar as falhas terríveis do roteiro, aí vai depender do nível de expectativa de cada fã. Mas é esse o grande truque da produção.
Aos já iniciados nos jogos sabem que a cronologia de Resident não é exatamente uma timeline sequencial, afinal alguns eventos de determinados jogos acontecem ao mesmo tempo que outros, assim sendo, muita coisa que acontece em um local pode influenciar atitudes e manobras noutro.
Entretanto, o que ocorre em Resident Evil Bem-Vindo a Raccoon City é um pouco diferente. O roteiro busca fazer uma adaptação colocando o primeiro e o segundo game em pauta. Ou seja, tanto os personagens na mansão, representando o 1º jogo (Jill, Chris e Wesker) como os personagens da delegacia e orfanato (Leon e Claire) acabam se misturando numa salada que ora até funciona ora fica bem estranho.
Dessa premissa – bastante semelhante aos dois primeiros games – o roteiro desenvolve situações de terror através da atmosfera de cidade pequena cercada de mistérios, e a trama – que realmente cobre apenas a noite de 30 de setembro de 1998 – segue à risca as referências retiradas diretamente da obra original.
E foi bem adaptado?
Essa é a maior questão e acredito que é o que todo mundo que vai assistir, se pergunta. O filme não é um desastre completo, porém ele não é uma super adaptação. O problema de trazer tantos personagens icônicos da série num filme só é justamente desenvolvê-los. Dito e feito. Claire Redfield foi a personagem central da trama, a que liga todos os pontos e que tem as atitudes mais coerentes. Porém o resto ficou muito abaixo do esperado. Chris, Leon, Wesker e Jill coadjuvam de uma maneira ora desinteressante, ora positiva, mas ainda assim não conseguem brilhar como deveriam.
Os personagens são rasos, seus objetivos igualmente fracos e nenhuma atuação se destaca, mesmo com um elenco de bons atores. Isso para não ressaltar as conveniências de roteiro, problemas de ritmo e algumas referências tão específicas, que soam forçadas e gratuitas demais.
O grande destaque negativo foi a forma que Leon foi adaptado. O fato de o personagem ser novato – assim como no jogo Resident Evil 2 – não deveria fazer dele em um idiota. Embora a personalidade de todos esteja um pouco alterada pra encaixar no roteiro, transformar o Leon, um dos personagens mais queridos dos fãs, em um alívio cômico, foi um tiro nos pés.
Mas sim, há coisas boas no filme, sobretudo no sentido de ambiência, algo que a franquia anterior passou longe. A atmosfera vai na contramão de fazer algo apocalíptico clichê (com cidades destruídas), Reccoon City é um lugar “normal”, que se tornou uma espécie de Chernobyl com o tal vírus mortal meio que deixando o lugar doente, poluído e radioativo para se viver. Quem ainda não se transformou em morto-vivo, vive como se estivesse em estágio terminal de câncer. A sujeira das ruas, a chuva constante e os cenários escuros são o suprassumo desse tipo de obra e aqui, felizmente, são bem realizados.
Com base forte no suspense, o diretor Johannes Roberts (Medo Profundo) se mostra capaz de conduzir boas sequências de aflição, mas usa e abusa do jump scare para fazer funcionar os sustos. No entanto, a ação acelerada e a narrativa desajeitada – com uma montagem confusa – acaba por deixar parte dessa qualidade pelo caminho. Quando a tensão cresce em torno de uma cena, a construção de medo é eficaz, mas há pouca entrega para tanto preparo.
Quando dizemos que uma produção de um filme é pobre, geralmente estamos falando de técnica, mas no caso de Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City, estamos falando de orçamento também. Os CGIs num geral são ruins, há alguns zumbis bem feitos, assim como os cachorros, mas as escolhas de personagens para fazer essa economia em efeitos especiais (Lisa Trevor e Dr Burkin) foi a pior possível, uma vez que eles são importantes para a trama, o que tira o expectador deste ambiente de terror.
Outras considerações técnicas são em relação à trilha sonora pouco inspirada, que se parece com muito filme de terror B, assim como a direção de fotografia, que lembra a escola Rob Zombie de câmeras tremidas, até mesmo em cenas menos intensas.
Se a intenção de Bem-Vindo a Raccoon City era trazer uma adaptação voltada para os fãs, a fim de fazê-los esquecer os filmes anteriores, deveriam ter levado em conta um roteiro minimamente coerente e com desenvolvimentos dos personagens, afinal uma adaptação não se sustenta apenas com roupas e nomes idêntica aos jogos, mas sim respeitando o objetivo do material original e, mais importante, sem subestimar a inteligência do público-alvo.
Por mais que haja alguma coisa interessante ali, tudo que foi construído não foi suficiente para apresentar um filme coeso e divertido, restando apenas uma obra pobre.
Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.