CRÍTICA | Não! Não Olhe!: é a afirmação de Jordan Peele como um dos grandes dessa geração

Diretor foge da mesmice num conto sobrenatural, mas onde o horror está na humanidade.
By CAJR
24/08/2022

Após o sucesso estrondoso de público e crítica de "Corra!", o diretor e roteirista Jordan Peele poderia se acomodar, aproveitar o hype de seu longa de estreia e produzir algumas sequências espirituais do filme protagonizado por Daniel Kaluuya. Entretanto, têm sido ainda mais impressionante ver Peele se mover em direções estranhas e menos óbvias, primeiro com o onírico "Nós", onde é feita uma perturbadora parábola sobre a desigualdade social nos Estados Unidos (EUA) e agora com o Não! Não Olhe!, uma película pouco menos obtuso, mas ainda totalmente original. A redação da A Era Nerd já assistiu ao filme que estreia na quinta-feira (25) e adiantamos: se possível, veja nos cinemas!

Sobre o que é?

Em Não! Não Olhe!, conhecemos OJ Haywood (Daniel Kaluuya), um treinador de cavalos de Hollywood, que se vê no meio da bizarria com uma série de eventos intrigantes que mudam a sua vida, da sua irmã Emerald (Keke Palmer) e da família de outro rancho, ao verem algo a sobrevoar no meio das nuvens. OJ e Emerald decidem fazer tudo para tentar captar imagens do fenômeno, em busca de... fama e dinheiro, mas a que custo?

Eu gosto da simplicidade geral do enredo. Toda a abordagem de Não! Não Olhe! parece ser honesta e básico para Peele. Não há alegorias complexas que definem o filme. É uma história simples sobre dois irmãos tentando documentar um OVNI e não morrer no processo. Há muitos grandes momentos que se prestam ao terror, mas é mais um thriller às vezes com várias cenas intensas. Na verdade, boa parte do fio narrativo, estético e referencial do filme se inspira muito mais em "Tubarão" e "Sinais" do que os filmes antecessores do diretor.

A genialidade criativa de seu diretor

Embora a premissa seja simples, fica difícil falar mais sobre sem revelar detalhes e suas reviravoltas, que em seu terceiro longa, já fazem parte da assinatura de Peele. Aliás, a mente criativa do diretor nos oferece uma perspectiva diferente, onde ninguém está a salvo. A forma que a narrativa se desenrola e interliga nos deixa à beira do assento, segurando a respiração durante as pouco mais de duas horas de projeção, onde os vários fios da meada acabam por se mostrarem relevantes para uma grandiosa conclusão.

Embora Corra! e Nós sejam filmes com propostas diferentes, existe um fio condutor entre ambos, sobretudo os comentários, sejam raciais ou sociais, sobre o estadunidense médio. Em Não! Não Olhe!, acabamos por ver as reações provavelmente comuns a um evento muito específico e muito crível. Qualquer pessoa na mesma situação dos protagonistas soltaria um "nem pensar" sem hesitação, e é nessa ligação com o espectador que está o grande acerto do filme. Este também é o filme menos focado no comentário social e mais na loucura que... a realidade - mesmo num longa envolvendo UFOs - poderá ser.

Claro, existem subtextos, principalmente envolvendo seu enredo e os temas memória e apagamento. Infelizmente, pautas comuns na cultura negra - e ainda mais forte nos EUA -, que pode ser vista até mesmo, em menor ressonância, em obras como Elvis, onde o filme nos lembra que as origens e inspiração do rei do rock estavam em artistas negros que já dançavam o solavam suas guitarras há duas décadas antes de aparecer para o mundo.

Elenco

Além de uma mente extremamente criativa, Peele também comprova, mais uma vez, sua excelente mão na direção de atores. Em seu novo filme, naturalmente, o elenco está a um nível superior aos principais lançamentos do ano até aqui, com destaques óbvios para dupla de protagonistas Kaluuya e Palmer. Ao mesmo tempo que a presença de Brandon PereaSteven Yeun e o grande Keith David, elevam o filme.

Peele já tinha mencionado anteriormente que o seu grande objetivo como cineasta é recapturar o sentimento que o mesmo teve em mais novo quando via filmes, e existem muitas influências que demonstram o seu esforço e talento criativo, nesta mescla de gêneros, que certamente irá satisfazer todo o tipo de fãs de cinema.

Referências

Entre as homenagens narrativas, visuais, desde movimentações de câmera e o texto, conseguimos notar referências completamente diferentes. Desde o peculiar humor inglês do grupo Monty Python, a construção de tensão M. Night Shyamalanmise en scènes dignas de Stanley Kubrick, enquadramentos de Akira Kurosawa. Tudo isso com texto esperto, moderno e veloz, uma linguagem bem comum de esquetes humorísticas de artistas afro-americanos, que, aliás, foi onde o diretor começou.

Fotografia, trilha sonora e os problemas

Aproveitando a deixa das referências, é válido citar que o filme não é perfeito e curiosamente, alguns dos problemas narrativos estão ligados à aspectos técnicos. Basta comparar com seus antecessores, onde a direção de arte, bastante soturna, com paletas sóbrias em ambientes abertos e bastante marcada por cores quentes em momentos de atenção, em seu novo filme, existe uma repetição na ideia estética, sobretudo nas cenas noturnas, mas infelizmente, pouco colaboram narrativamente - para além da estranheza do longa.

O mesmo vale para a trilha sonora, composta por Michael Wincott, conhecido pelo marcante, estranho e gótico "O Corvo". Som e fotografia, assinado pelo premiado Antlers Holst, são eficientes, mas apenas cumprem, burocraticamente, seu papel. Claro, estou sendo bastante exigente, mas é porque o parâmetro estabelecido por Peele é alto. Num longa em que memória e fotografia fazem parte da narrativa principal, era no mínimo esperado que esse aspecto técnico contribuísse para a história, não apenas compondo sua função simplesmente técnica.

Conclusão

Não! Não Olhe! - diferente de seu título - é visto com bons olhos, num filme muito curioso, que expande o universo cinematográfico original e autoral de Jordan Peele, provando ter uma das mentes mais criativas - e inquietas - dessa geração. Aliás, um dos principais predicados desse filme é a união de muitas referências clássicas e consideradas cults com linguagens populares, num equilíbrio raro, que torna o filme extremamente democrático, enquanto nunca subestima quem os assiste.

Sem receio de arriscar e criar seus próprios trilhos do zero cada novo trabalho, além de, é claro, inspirado por outros grandes mestres de gênero, o diretor e suas obras parecem respiros numa indústria cada vez mais acomodada em reboots, remakes e filmes de super-heróis.

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CAJR - Carlos Alberto Jr

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.
  • Animes:Cowboy Bepop, Afro Samurai e Yu Yu Hakusho
  • Filmes: 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Stalker, Filhos da Esperança, Frank e Quase Famosos
  • Ouve: Os Mutantes, Rush, Sonic Youth, Kendrick Lamar, Arcade Fire e Gorillaz
  • Lê: Philip K. Dick, Octavia E. Butler, Ursula K. Le Guin e Tolkien
  • HQ: Superman como um todo, assim como as obras de Grant Morrison e da verdadeira mente criativa por quase tudo na Marvel: Jack Kirby