Seja honesto, você também não esperava nada de Kingsman: Serviço Secreto, quando foi lançado em 2014. Talvez, essa falta de expectativa, somado ao fator surpresa, são elementos que fundamentais para que esse filme quase paródia de agentes secretos funcionasse tão bem. A ironia, autoreferência e cenas de ação - sobretudo AQUELA cena do igreja - é tudo que a franquia busca recuperar desde o lançamento do primeiro filme. Após assistir King’s Man: A Origem entendi a franquia perdeu o timming da propria piada.
Sem a graça, a ironia ou até o charme responsável pelo sucesso surpreso da franquia baseada nos quadrinhos de Mark Millar e Dave Gibbons, esse filme de origem não sabe bem o que quer ser ao misturar diferentes gêneros sem êxito em nenhum deles, e que nem o grande Ralph Fiennes consegue salvar. Há sim uma certa ousadia em aterrissar num período histórico tão rico em detalhes e fazer um revisionismo histórico fantástico de um dos períodos mais sombrios da humanidade: a 1ª Guerra Mundial.
Confesso que, mesmo após o banho de água fria que foi Kingsman: O Círculo Dourado, acreditei que esse novo longa poderia por a franquia de volta aos trilhos, uma vez que as piadas perante à coroa inglesa poderia funcionar melhor nesse contexto histórico. Porém, a direção de Matthew Vaughn foi para um caminho diferente, por vezes se levando muito mais à sério do que a franquia pede. Não estou dizendo que mudanças não são bem-vindas, mas elas devem ser bem construídas e no caso de King’s Man, ignorar os traços de humor, é como ignorar o que fez a franquia ser o que é. Afinal, você não vai ao cinema assistir um filme de King’s Man esperando um drama, certo?
Personagens
Abrindo espaço para uma nova dupla masculina protagonizar a franquia — o Duque inglês Orlando (Ralph Fiennes) e Conrad (Harris Dickinson), seu filho —, abre-se um leque de possibilidades baseadas em conspirações que poderiam ter ocorrido durante a Primeira Guerra, bem como motivos que levaram certos países ingressarem e saírem do conflito.
O que me deixa triste é ver que existem boas ideas e que poderiam dar um frescor à franquia - mesmo tratando-se de uma prequela. Afinal, a dinâmica de um duque pacifista que após presenciar a morte de sua esposa e, consequentemente, prometê-la que jamais deixaria seu filho entrar numa batalha. No entanto, Conrad, seu filho, é apaixonado pela ideia de servir seu país em guerras, poderia gerar uma série de discussões ideológicas muito boas. Poderia.
Por que não deu certo?
O grande charme de Serviço Secreto viram de contar a história de um jovem de periferia que leva um pouco de estilo e humor para o pomposo mundo da espionagem britânica, esse choque de realidade e gerações bricava também com o próprio cinema de espionagem. Então por que fazer um filme sem o carisma de Taron Egerton e Colin Firth e sem a brincadeira sobre classes e contássemos como surgiram os Kingsman – mudando o nome sem explicação – um século antes?
"King's Man" mantém, pelo menos, um pouco do absurdo de seus antecessores, mas mesmo isso acaba trabalhando contra a produção. Afinal, entre tantas loucuras, uma das marcas da franquia, os momentos históricos factuais reproduzidos mais ou menos de forma precisa na trama perdem força, e parecem exageradas demais para serem reais. Até mesmo a violência gráfica, que antes soavam como parte desse exagero, agora está mais cru.
Tirando o momento mais inspirado pela estranheza causada não pelo filme, mas pelo uso do Rasputin nas cenas, pouco sobra de algo mais inspirado ou que corrobora com esse novo longa. Pior foi o momento para lançar um filme tão sem graça assim. Mas olhando para uma perspectiva macro, pode ser que o peso dessa bagagem atice mais as noções do mercado. Pelo sim ou pelo não, está aí o melhor exemplo sobre o assunto.
Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.